Embora com placar ainda desfavorável de 12,3% de representação no mercado brasileiro de Tecnologia da Informação, a marcha de mulheres em TI tem avançado. Apesar desse número ainda baixo, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED-Ministério do Trabalho), houve aumento considerável de 60% na participação feminina no setor, nos últimos cinco anos, até 2022.
O curso de Programação e Criação de Sites do Projeto Jovens Caminhos, uma iniciativa do Instituto Gea – Ética e Meio Ambiente e do LASSU – Laboratório de Sustentabilidade da USP, em parceria com a Petrobras, é bem ilustrativo sobre esse crescimento. Na primeira turma, em 2023, dos 33 alunos matriculados, 21 eram mulheres, ou 60% do total. Na segunda turma, elas representaram metade dos 16 formandos.
Segundo a presidente do Instituto Gea, Ana Maria Domingues Luz, esse cenário indica que o mercado de TI não é mais exclusividade masculina. Ela se declarou especialmente feliz com a projeção feminina ao discursar na cerimônia de formatura da 2ª.Turma, em 28 de fevereiro de 2024, no auditório da FAMA (Faculdade de Mauá), na Grande São Paulo.
Um dos objetivos do Projeto Jovens Caminhos é justamente aumentar a presença feminina na área de Tecnologia. O curso conta, inclusive, com a professora Alessandra Toyama, do Laboratório de Sustentabilidade (Lassu) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. O Lassu também coloca à disposição, gratuitamente, notebooks para os alunos que se destacam nos cursos e abre a possibilidade de cursarem o Projeto Paideia – curso de capacitação em informática e desenvolvimento de software, especialmente em Phyton.
“É notável o crescimento da participação feminina quando o assunto é tecnologia. É evidente que ainda temos um longo caminho, mas diante do cenário social atual, meninas têm sido mais estimuladas nesse campo que durante muito tempo pertenceu aos homens”, testemunha professora Bianca Gonçalves da Silva, que fez monitoria no Projeto Jovens Caminhos.
Oportunidade única
As oportunidades de qualificação com vários cursos de TI à disposição no mercado melhoram as perspectivas de emprego e contribuem para escalar essa muralha ainda masculina. Pietra Costa da Silva mostra que os sacrifícios valem a pena. Ela cursou Programação e Criação de Site no Jovens Caminhos em 2024 e se inscreveu no Paideia da USP.
“É uma oportunidade única que está me dando novos conhecimentos, tanto de soft skills quanto nas hard skills. Meus planos futuros são de me especializar mais na área para me tornar uma profissional completa e habilidosa”, diz Pietra, 19 anos, que trabalha na empresa americana Pactto como desenvolvedora front-end júnior.
Pietra faz curso superior em Psicologia, mas o coração pulsa mesmo pela área de Tecnologia. “O Jovens Caminhos me deu a possibilidade de aprender uma profissão nova e que está tão em alta no mundo. A programação está inserida em todas as esferas da nossa vida e a oportunidade de entender como essa área funciona foi de grande crescimento profissional”, destaca.
Muitos desafios
A jornada feminina, porém, é longa. Como em outros mercados, na TI a desigualdade de gênero ainda é um desafio, com as mulheres ganhando, em média, 14,7% menos do que os homens na indústria, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Estudo da Revelo mostra que até 2021 havia desigualdade nos níveis hierárquicos de contratação no setor de Tecnologia. O índice de vaga júnior para mulheres era de 8,69%. Já para homens ficava em 32,52%. O nível sênior apresentava 5,98% para elas, contra 30,9% para eles. Esse número era ainda mais reduzido na categoria pleno, contando com apenas 4,15% para mulheres e 17,76% para homens.
“Ainda que tenhamos avançado muito nos últimos anos, mulheres ainda sofrem com o machismo nos campos social e profissional. Os cargos de poder permanecem em mãos masculinas, tornando o mundo de maneira geral mais confortável para eles, enquanto mulheres precisam lutar muito para atingir lugares que homens chegam de maneira muito facilitada”, afirma professora Bianca Gonçalves.
A ex-aluna do Projeto Jovens Caminhos Pietra Costa comenta que, na empresa onde atua, é a única mulher desenvolvedora entre sete homens. O ambiente, porém, é harmonioso. “Não sinto preconceito vindo de meus colegas, pelo contrário, são muito solícitos e respeitosos acerca das minhas opiniões e dúvidas. Porém, entendo que muitas mulheres possam estar em situações de pré-julgamento dentro da área, mas somos fortes e resilientes o suficiente para que essa situação seja mudada para sempre”, deseja ela.
Especialistas reforçam como é importante a valorização de mulheres na tecnologia para garantir diversidade e representatividade, o que pode levar a soluções tecnológicas mais inovadoras e inclusivas. Abrir conversas, entender o papel do acolhimento e criar espaços seguros para as mulheres no ambiente corporativo são elementos fundamentais para que o círculo virtuoso de equidade faça sentido, explica Patricia Chacon, presidente da Liberty Seguros, ao falar em evento da Revista Forbes.
“Biologicamente mulheres e homens tem habilidades diferentes, por isso é importante que ambos sejam explorados em todos os campos. Mulheres na tecnologia permitem ampliar a visão, explorar novas possibilidades e a criação, além de investirem no trabalho minucioso”, destaca, a monitora Bianca Gonçalves, do Projeto Jovens Caminhos.
Entre os desafios encontrados pelas mulheres na área de Tecnologia da Informação que impedem sua plena participação e crescimento no setor, os principais são:
- Diferenças salariais: mulheres frequentemente ganham menos do que os homens em posições equivalentes. No Brasil, como já mencionado, a diferença salarial média é de 14,7%.
- Falta de representatividade e incentivo: a baixa presença feminina em cargos de liderança e a falta de modelos de referência dificultam a entrada e a permanência das mulheres na TI.
- Discriminação e preconceito: muitas mulheres enfrentam preconceitos e discriminação no ambiente de trabalho, o que pode afetar sua progressão na carreira e sua autoconfiança.
- Autocobrança e síndrome da impostora: a autocobrança excessiva e a síndrome da impostora são comuns entre mulheres na tecnologia, levando a dúvidas sobre suas próprias capacidades e potencial.
Papel das empresas
Os empregadores são considerados cruciais para a promoção da diversidade de gênero na área de TI, começando por recrutamentos que busquem ativamente candidatas mulheres e garantam igualdade de oportunidades desde a seleção até a contratação.
Há também os programas de mentoria e desenvolvimento para mulheres, ajudando-as a desenvolver suas carreiras e a alcançar posições de liderança. Consultores também apontam como eficazes os treinamentos regulares sobre diversidade e inclusão para todos os funcionários, ajudando a combater preconceitos e estereótipos no local de trabalho.
Um ambiente corporativo mais harmonioso e produtivo também pode ser alcançado com políticas de trabalho flexível que permitam um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, beneficiando especialmente mulheres que muitas vezes acumulam múltiplas responsabilidades.
Sua esperança faz memória na norte-americana Margaret Hamilton, cientista da computação e engenheira de software que desenvolveu o código usado para identificar aeronaves inimigas. “A área de TI começou como um campo majoritariamente masculino, mas com presenças ímpares de mulheres como Margaret Hamilton, que programou a expedição Apollo 11, acredito que, mesmo não tendo muita presença antigamente, as mulheres souberam se destacar em projetos importantes”, destaca.
Nos últimos 200 anos, algumas mulheres tiveram papéis importantes ao criar componentes fundamentais de computadores, desenvolver tecnologias como o Wi-Fi, programar sistemas inovadores e até mesmo se tornarem pioneiras em alguns dos maiores feitos da NASA. Dois destaques são:
- Grace Hopper (1906-1992), cientista da computação que inventou a primeira linguagem de programação. Após ingressar na Marinha dos EUA durante a 2ª Guerra Mundial, ela liderou a equipe que criou o primeiro compilador de linguagem de computador, conhecido como linguagem COBOL.
- Hedy Lamarr (1914-2000), conhecida como a mãe do Wi-fi, desenvolveu uma técnica para comunicação de espectro espalhado, que deu origem à tecnologia sem fio. Com George Antheil, um compositor, Lamar criou dispositivo de sinalização de rádio (Sistema Secreto de Comunicações) que mudava as frequências de rádio para que nazistas alemães não pudessem decodificar as mensagens.
Referências:
4 https://tibahia.com/artigos/empresas-de-tecnologia-e-seu-papel-na-promocao-da-igualdade-de-genero/
5 https://www.mindtek.com.br/2024/04/mulheres-na-tecnologia/
6 https://www.vittude.com/blog/mulheres-na-tecnologia-os-desafios-femininos-no-setor/