Por Profa. Dra. Maluh Barciotte
Em 15 de dezembro de 2025, um evento na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, finalizou um processo de dois anos de muitas reflexões, encontros, afetos e troca de profundos conteúdos. Quem passou por lá teve a oportunidade de conhecer grafites vistosos que ilustravam uma parte deste percurso de resultados e interação entre jovens artistas e o ambiente urbano. Nestas fotos, temos os trabalhos desenvolvidos por Vini (Vinícius Figueiredo), Gaby (Gabrielle Neves) e Viana (Vitor Marvim Viana), alunos do Jovens Caminhos.
Durante 2023 e 2024, o Instituto Gea-Ética e Meio Ambiente, com apoio da Petrobras, desenvolveu o Projeto Jovens Caminhos – Arte e Tecnologia, visando a qualificação de jovens e adultos de comunidades de Mauá e Santo André, região metropolitana de São Paulo, em duas áreas do conhecimento: Tecnologia da Informação e Artes.
O curso de Informática e Criação de Sites foi desenvolvido pelos professores do Laboratório de Sustentabilidade (LASSU) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Akio Goya e Alessandra Toyama, coordenados pela Profa. Tereza Cristina de Mello Carvalho para quatro turmas de aulas presenciais duas vezes por semana, com carga horária de 72hs/aula. O curso de Educação Artística e Grafite, ministrado pelos artistas-educadores Gustavo Ramos e Diego Fagundes foi ministrado para oito turmas de aulas presenciais, uma vez por semana, com carga horária de 36hs/aula.
Além das aulas técnicas de programação e grafite, base da capacitação profissional, os alunos participaram de Oficinas de Cidadania, Meio ambiente e Ética, visando a formação integral dos participantes e a reflexão conjunta e interativa sobre os valores éticos e socioambientais essenciais para a construção de seres humanos e profissionais de qualidade, assim como uma sociedade mais justa, integra, próspera e saudável em todos os seus aspectos.
Estes temas serviram ainda para, nas aulas de grafite, serem desenvolvidos de forma criativa pelos alunos e posteriormente repassados aos muros dos arredores dos bairros-alvo do Projeto Jovens Caminhos, sob a supervisão dos professores. O objetivo dessa ação era tornar os conteúdos vivos e capazes de ultrapassar os limites das salas de aula e assim atingir a comunidade e as regiões de abrangência, ampliando a divulgação e a comunicação do Projeto, assim como a reflexão, o interesse e o cuidado pelos temas trabalhados.
Os temas selecionados para as aulas de cidadania estão alinhados com os mais atuais paradigmas de educação transformadora e afetiva como já relatado em artigo anterior (Barciotte, Luz, 2024).
A predominância da educação tecnológica voltada para a obtenção do lucro impulsiona as novas gerações para conseguir um bom trabalho e uma boa posição social. Essa pretensão é, em princípio, legítima a todo o ser humano, pois trabalho e reconhecimento social são fontes da dignidade humana. Contudo, o problema surge quando esses ideais são considerados de forma absoluta e todos os estudos e atividades profissionais e humanas orientados para a busca obsessiva pela renda e pelo lucro, tornando excludentes todas as outras formas de vida e do viver. Não há dúvida de que, quando esta situação se acentua, coloca em risco valores democráticos e de humanidade, uma vez que as novas gerações deixam de fazer experiências “indispensáveis ao exercício ativo e reflexivo da cidadania e de um olhar mais abrangente sobre a vida, seu sentido e suas possibilidades” (Dalbosco, 2015).
Na proposta de trabalho das Oficinas de Cidadania foram considerados os três pilares da cidadania democrática defendidos como essenciais por este autor: o pensamento crítico, a cidadania universal e a capacidade imaginativa. Assim, foram trabalhados conteúdos ambientais e de ética, envolvendo sustentabilidade, saúde ambiental e mudanças climáticas de forma sistêmica e integrada. E, com muita ludicidade e interatividade, na medida em que os conteúdos desenvolvidos foram transcritos para os muros, a partir de desenhos autorais dos alunos e professores.
Na abordagem do tema Água reforçou- se a importância do uso consciente e inteligente dos nossos recursos hídricos, tanto no uso individual quanto no coletivo, salientando inclusive o tópico desenvolvido pelo livro Administrando a Água Como Se Fosse Importante, do SENAC, cujo título – pura ironia -, reforça o descaso de muito do que se tem observado na gestão destes recursos tão essenciais à vida. (Dowbor, 2005). Foi reforçado, ainda, o descuido com que são tratados, além dos nossos mares e oceanos, também nossos rios e água doce disponíveis, que constituem menos de 1% do total de água do planeta. Outro tema de impacto foram os “Rios Voadores” tão essenciais à modulação climática do Brasil e do planeta. Foram apresentados vídeos do cientista Antonio Nobre que geraram muita conversa e reflexão, pelo ineditismo do tema para os participantes.
No tema Resíduos, além dos conceitos sobre Minimização de Resíduos, onde reduzir a produção foi o item prioritário, seguido da reutilização destes materiais, posteriormente da reciclagem e compostagem e, só após esta lista de prioridades, a realização do encaminhamento correto e a disposição em aterros sanitários e monitorados. Durante os momentos de reflexão sobre o tema, o próprio grupo chegou à conclusão de que esta hierarquia normalmente não é obedecida e que os recursos investidos pelas prefeituras e gestores públicos inverte a prioridade, na medida que quase a tonalidade destes vão para a coleta de destinação dos resíduos misturados e desperdiçados para, na melhor das hipóteses, serem dispostos em aterros, muitas vezes inadequados. Dados de 2024 mostram que, em média, próximo de 60% de todo o lixo brasileiro é destinado aos aterros sanitários, enquanto por volta de 40% não têm destinação ou são descartados de forma inadequada, em lixões.
Nesta direção foram discutidas quão insalubres são as condições de trabalho de catadores nestes ambientes, situação extremamente comum há anos atrás, continuando atualmente em não poucas situações no país. Neste caso foi trabalhado o filme Estamira, que retrata a vida de uma catadora do lixão de Duque de Caxias, considerado um dos maiores lixões do Brasil, encerrado apenas em 2012. Este filme conta a história desta mulher exemplar e de outros trabalhadores que sobrevivem dos restos e descuidos de uma sociedade consumista e que desperdiça sem dó ou cuidado nossos essenciais recursos naturais.
Estamira em duas situações dispares (com ou sem cuidado ambiental) foi retratada nos muros nos arredores do Centro Público de Formação Profissional João Amazonas em Santo André, onde foram desenvolvidos alguns dos cursos do Projeto Jovens Caminhos, no primeiro semestre de 2023.
Situações positivas e alentadoras também foram retratadas, de modo a inspirar a população que circula pelos locais a parar e refletir sobre quão melhor seria a vida de todos, se esforços do poder público, de empresas e entidades responsáveis, assim como do público em geral, se unissem mais para cuidar, preservar e mitigar problemas e situações insalubres, principalmente nas periferias das nossas cidades.
Uma aluna, que nos acompanha desde 2023, em especial, merece ser citada. Raquel de Sousa Raimundo de 63 anos, integrante do curso de grafite, mãe e avó, tem nos demonstrado que para aprender, fazer e participar não existe limite. Inclusive ela foi homenageada pela sua assiduidade e constância, de forma espontânea em todas as turmas do curso de Artes, pelo grafite da sua imagem no muro da Associação Amigos do Bairro Vila Magini. Esta distinção está integrada aos propósitos e conteúdos do Projeto Jovens Caminhos e das Oficinas de Cidadania que também desenvolveram temas como direitos humanos, combate ao etarismo e a todas as formas de preconceito e exclusão, demonstrando que não existem limites para o aprender e participar quando novos horizontes são descortinados e expandidos.
Os participantes tiveram voz durante toda a extensão dos cursos e puderam se manifestar em textos e vídeos, como a jovem Alyne Campos – Aluna da Turma 2 do Jardim Sônia e Silvia Maria:
“(Quero)Agradecer também pelas aulas de cidadania, que foram muito importantes, pois nos ajudaram a entender os nossos direitos e deveres como cidadãos. Elas me ajudaram a compreender melhor o funcionamento da sociedade, a importância do respeito mútuo e a participação ativa na comunidade. Acredito que esses ensinamentos são fundamentais para o desenvolvimento pessoal e coletivo”
Referências Bibliográficas
BARCIOTTE, M, LUZ A.M. Uma experiência real de pedagogia do afeto: investindo no presente e inspirando futuros. 2024. Disponível em https://jovenscaminhos.institutogea.org.br/uma-experiencia-real-de-pedagogia-do-afeto-investindo-no-presente-e-inspirando-futuros/
DALBOSCO C.A. Educação superior e os desafios da formação para a cidadania democrática. 2015. Disponível em https://www.scielo.br/j/aval/a/QDSV7wHqtszRMqYYrnGrdZf#:~:
DOWBOR, L. TAGNIN, R.A. Administrando a água como se fosse importante. 2005. Editora SENAC. São Paulo.