Impactos do Projeto Jovens Caminhos em comunidades de Mauá e Santo André

Por Raquel Lima Ramos e Maria Luiza Marcoccia

Reduzir as fronteiras sociais e econômicas de um país gigante como o Brasil é jornada que desafia diariamente governos, cidadãos comuns e organizações do Terceiro Setor.  Pensando nisso, o Instituto Gea – Ética e Meio Ambiente, organização sem fins lucrativos que há 25 anos trabalha pela educação ambiental, cidadania responsável e práticas sustentáveis, incluiu em sua missão o aprendizado de jovens e adultos nas áreas de Tecnologia da Informação e Artes, oferecendo-lhes qualificação profissional. A parceria com o LASSU – Laboratório de Sustentabilidade da Universidade de São Paulo foi um apoio importante nessa iniciativa.

Assim nasceu o Projeto Jovens Caminhos, uma ação de inclusão social com a parceria e financiamento da Petrobras, oferece treinamento técnico gratuitamente em Programação e Criação de Sites e em Arte-Educação e Grafite para a população mais vulnerável. O objetivo é incentivar uma profissão ou estimular uma fonte de renda familiar.

Nos dois anos de atividades, em 2023 e 2024, o projeto recebeu 297 inscritos nos dois cursos; 204 receberam certificados de conclusão. Mais do que números, porém, o Jovens Caminhos deixou muitas lições que vão marcar a agenda de vida de seus alunos, sempre desafiados a pensar “fora da caixinha” seja na sala de aula ou nos trabalhos de campo. Disciplinas como Ética, Cidadania e Sustentabilidade foram agregadas pelo Instituto Gea às aulas técnicas sobre Grafite e Programação e Criação de Sites.

A escolha das cidades de Mauá e Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, se deu em função da parceria com a Petrobras, que tem unidades de refino nessas localidades. São municípios populosos integrantes do ABC paulista, com 420 mil e 750 mil habitantes, respectivamente, unidos por densa periferia que forma um único e imenso espaço geográfico urbano.

O treinamento de jovens e adultos em situação de fragilidade social e econômica recebeu imediata adesão dos poderes públicos e instituições civis locais.

“Acredito muito em projeto de qualificação profissional. Foi muito satisfatório ter contribuído de alguma forma, seja na divulgação ou emprestando o espaço para que o curso acontecesse, ajudando as famílias vulneráveis. Foi muito bom observar jovens, adultos e idosos aproveitando a oportunidade, em que o maior investimento deles foi seu tempo e interesse, tendo acesso a um curso de qualidade, gratuito e ainda próximo a suas residências”, testemunha Márcia Teixeira da Silva, coordenadora do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) Jardim Oratório, da Prefeitura de Mauá.

Para além da teoria

O segredo da equação do Projeto Jovens Caminhos é aliar uma equipe engajada de monitores e professores, eficiência na operação com aulas práticas para além da teoria, além de colocar o aluno no centro do aprendizado, sentindo-se acolhido. Todos são incentivados a ser protagonistas dessa jornada, estimulados ao questionamento do que aprendem e à responsabilidade cidadã.

Foi assim com as inúmeras intervenções das turmas de Arte –Educação/ Grafite em espaços públicos das cidades ou em visitas ao Instituto Tomie Otake e ao Laboratório de Sustentabilidade (LASSU) da Universidade de São Paulo, na Capital. No LASSU, alunos de Programação e Criação de Sites conheceram o Centro de Reciclagem de Resíduos Eletroeletrônicos, aprendendo como deixar o planeta Terra mais limpo.

Em Santo André, os muros do Centro de Formação Pública João Amazonas e da ONG Seci (Instituto Socioesportivo, Educacional, Cultural e Inovador) receberam alegres pinceladas dos alunos de Grafite com temas sobreproteção ao meio ambiente, exibindo como essaarte na periferia é importante para despertar conscientização e cidadania.

A CaptaBIT, plataforma que faz intermediação entre captadores e doadores de recursos para o Terceiro Setor, define projetos sociais como iniciativas que almejam gerar transformações positivas em uma comunidade ou grupo específico, lidando com questões como educação, saúde, inclusão social e sustentabilidade. “Projetos sociais são o coração pulsante de uma sociedade mais justa e equilibrada, onde cada ação conta na construção de um futuro melhor”, salienta.

Instituição que orienta para processos seletivos, o IDESG (Instituto de Desenvolvimento Social, Gestão e Tecnologia), destaca que projetos sociais são importantes porque contribuem para redução das desigualdades, promoção da cidadania, conscientização social e transformação coletiva. “Existem diversos exemplos de projetos sociais que fazem a diferença na vida de milhares de pessoas, como os que oferecem alimentação, educação, saúde, moradia, cultura e lazer, entre outros”, enumera.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), os índices de desigualdade no Brasil aumentaram consideravelmente. Isso porque, de toda a renda do País, 40% estão concentrados nas mãos de 10% da população. Outros dados recentes revelam que o Brasil tinha 31,6% da população em situação de pobreza (até meio salário-mínimo por mês) em 2022, enquanto a proporção de pessoas em extrema pobreza (menos de R$ 200 mensais) era de 5,9%.

Em 2022, havia 67,8 milhões de brasileiros na pobreza e 12,7 milhões na extrema pobreza. A renda dos 10% mais ricos é mais de 14 vezes maior do que a renda dos 40% mais pobres, mostram dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE.

Márcia Teixeira da Silva conta sobre a condição de um dos alunos: “Após a finalização do curso no Jardim Oratório, foram abertas inscrições para uma nova turma, que foi no Jardim Sônia Maria, ainda em Mauá, mas um pouco distante do Jardim Oratório. Uma mãe nos pediu ajuda financeira, pois seu filho, portador de deficiência, estava interessado no curso, mas  a família não tinha condições de pagar o transporte. E nós, enquanto CRAS, conseguimos proporcionar benefício eventual para que esse garoto pudesse frequentar as aulas e ele cursou direitinho, do início ao fim”.

Sobre a importância da iniciativa do Instituto Gea-Lassu-Petrobras junto a comunidades mais fragilizadas, ela destacou: “Pude observar que alguns adultos e idosos aproveitaram essa oportunidade como poucas que tiveram ao longo da vida e também mães que fizeram a inscrição de seus filhos e ficaram muito orgulhosas com isso, com o curso e com a formatura, que foi bastante simbólica e significativa para as famílias”.

Kely Cristina de Andrade Schiavone, diretora do Centro Público de Formação Profissional João Amazonas, em Santo André, outra parceria estabelecida com o Projeto, sublinha:

“O impacto foi muito grande na comunidade e na vida desses jovens, que aprenderam que o caminho da educação é o correto, seja da educação artística ou da tecnologia. Eu não só fui beneficiada enquanto diretora da unidade escolar, em ver jovens e adultos com uma formação profissional, mas também como mãe, pois meu filho participou do curso de Programação – Criação de Sites e hoje faz especialização no Paideia da USP (Universidade de São Paulo), outra oportunidade fabulosa do Jovens Caminhos aberta aos alunos. Foi incrível também os melhores das turmas terem ganho computadores pelo Projeto, o que sem dúvida fez toda a diferença na vida deles”.

Kely Schiavone aponta para a missão do Projeto Jovens Caminhos, que foi ao encontro dos objetivos do Centro Público João Amazonas de dar formação qualitativa para moradores de baixa renda em Santo André, que nem sempre têm oportunidade de acesso a bons cursos. “Foi um imenso prazer recebê-los e teremos sempre portas abertas ao Projeto. Só temos elogios a fazer porque a equipe é incrível, com bastante profissionalismo e comprometida”, citou.

Mudanças positivas

Como se constrói um projeto social de impacto, ou seja, que gere mudança positiva na vida das pessoas? É necessário entendimento claro das necessidades da comunidade, planejamento estratégico e busca por recursos que viabilizem a iniciativa, segundo enumera a plataforma CaptaBIT. Algumas perguntas essenciais que devem ser respondidas antes de iniciar um projeto são:

  • Quem irá ajudar?
  • O que irá fazer?
  • Por que vai fazer?
  • Para que vai fazer?
  • Como vai fazer?
  • Com quem vai fazer?
  • Quando vai fazer?
  • Onde vai fazer?

A percepção de Márcia Teixeira, do CRAS Jardim Oratório, resume a linha de ação do Projeto Jovens Caminhos:

“Como boa observadora, acredito que o conjunto de tudo o que foi oferecido foi motivador para os jovens, desde os materiais personalizados como camiseta, boné, mochila e planner, até as aulas interativas, com boa didática e dinâmicas de grupo. Tem também o acolhimento de toda a equipe envolvida, pelo tratamento respeitoso e humano junto aos alunos, lanchinho ofertado no intervalo, aula teórica e prática nos computadores e ainda poder ser sorteado no final do curso para ganhar um computador, penso que esse todo fez e faz o Projeto Jovens Caminhos um diferencial na comunidade”, define ela.

Kely Schiavone, do Centro João Amazonas de Santo André, reforça: “Iniciativas como a do Instituto GEA-Petrobras tiram jovens das ruas e até da marginalidade, direcionando-os a uma profissão. Tivemos alunos aqui que hoje ganham dinheiro fazendo grafite. Saíram do curso já trabalhando”, afirma. Um exemplo é a jovem Júlia Ventura Reis, cujo primeiro contrato profissional a levou a grafitar muro de 17 metros de uma loja de fantasias, antes mesmo de se formar, em junho de 2024.

Outros alunos em Santo André deram continuidade ao aprendizado profissionalizante fazendo depois cursos no próprio Centro João Amazonas como o de Assistente de RH, Recepcionistas e Empreendedorismo, aponta a diretora. “Temos dois que estão cursando agora Cabeleireiro Básico”, cita.

Beatriz Ferreira e Hamilton Rocha Silva, dirigentes da Associação dos Moradores do Jardim Oratório, em Mauá, afirmam que o Projeto Jovens Caminhos causou influência tão significativa em 2023, quando foi alí realizado, que moradores continuaram a procurar a entidade em 2024 em busca de novas turmas.

“Foi um projeto pioneiro para nós, de formação profissional em grafite e em tecnologia, já que até agora oferecíamos mais ações sociais, como aulas de balé e capoeira, células de religião, café da manhã com crianças aos sábados, além de entregarmos leite do governo e hortifruti da Prefeitura”, contam, testemunhando também a recepção que os cursos tiveram junto aos participantes:

“Foi importante porque sentimos que todos demonstraram muita vontade em aprender para serem bons profissionais. Também notamos a dedicação dos professores e monitores e a qualidade do ensino realizado”.

Kely Schiavone, de Santo André, endossa a experiência: “Até hoje, de todos os projetos sociais que tive oportunidade de presenciar, o Jovens Caminhos é sem dúvida nenhuma o mais qualitativo e com profissionais de excelência inigualável.  Espero que possamos ter mais projetos assim”.

Referências:

https://www.captabit.com.br/projetos-sociais-de-impacto-como-cria-los-com-sucesso/
https://idesg.org.br/2023/11/02/o-que-e-um-projeto-social-como-elaborar-e-sua-importancia-na-sociedade/
https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13909-estudos-revelam-impacto-da-redistribuicao-de-renda-no-brasil#:~:text=O%20Brasil%20%C3%A9%20conhecido%20por,pa%C3%ADses%20mais%20desiguais%20do%20mundo
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38545-pobreza-cai-para-31-6-da-populacao-em-2022-apos-alcancar-36-7-em-2021#:~:text=O%20percentual%20de%20pessoas%20em,7%20milh%C3%B5es%20na%20extrema%20pobreza

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